segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Juventude de Sofia Coppola


O cinema de Sofia Coppola é uma das grandes questões que venho tentando compreender melhor nesses últimos tempos. Como servo incondicional de Encontros e Desencontros passei a desconfiar bastante das minhas opiniões a respeito do trabalho dessa diretora.

Contemplo Virgens Suicidas, Encontros e Desencontros e Maria Antonieta na busca de uma unidade e coesão autoral que penso ser óbvia a primeira vista – mas que só pode ser corretamente apreendida e admirada após algumas revisões.

Não é novidade pra ninguém que é totalmente possível existir um artista/autor que não seja um artista/gênio – e não gênio na romântica e confortável visão do grande salvador da pátria a quem todos os louros do reconhecimento da grandeza de uma obra devem se dirigir; mas o gênio que se debruça sobre uma linguagem e a leva em alguma direção; dominando-a e sendo dominado por ela.

Sofia Coppola é, sem a menor sombra de dúvida, uma autora. Assim como Wes Anderson, Quentin Tarantino e Wong Kar-Wai, todo filme de Sofia Coppola só poderia ser dela; mas o que esta identidade pessoal faz pela estética cinematográfica? Que frutos é possível colher desse encontro?

Quando penso nos três primeiros filmes de Coppola me deparo com algo pulsante e absolutamente essencial em minhas mãos: a melancolia da juventude (não física, mas sim sentimental). As quatro irmãs de seu primeiro filme, o homem e a mulher que se encontram em Tóquio, a menina que se muda pra o maior castelo do mundo; são seres que se debatem em qualquer que seja seu drama pessoal pela existência, ausência ou persistência de uma sensação de juventude, e apesar de não saber e não me interessar em saber como foi a juventude de Sofia Coppola, sei que esta é uma questão da qual ela não se livrará tão cedo da melhor forma que se pode saber de alguma coisa quando se trata de arte: a partir da forma como a voz do artista derrama-se na sua obra.

Há, então, um tema incontornável. E qual será, para a diretora, a forma incontornável? Qual é o meio que ela encontra para dar escape ao que ela pensa/sente/questiona? Essas perguntas me levam a uma outra questão muito anterior à Sofia Coppola – diz respeito às diferenças de percepção masculina e feminina (e não de homens e mulheres). Obviamente limitado pela minha própria percepção tento compreender coisas externas a mim: tradicionalmente ouço a separação entre masculino e feminino baseada na capacidade de pluralidade do pensamento de um e na obsessão em torno de um ponto do outro. Dispersão e concentração. Ponderação e afirmação. (Não pensei que seria tão problemático levar essa questão adiante, mas vamos lá)

Aproximando essa pretensa diferenciação entre masculino e feminino do cinema de Sofia Coppola quero refutar uma das acusações mais comumente feitas contra a diretora: sua falta de rigor. Ora, rigor não é rigidez, mas sim a honestidade de fazer o que é necessário. E nos três filmes de Sofia Coppola (com algumas ressalvas a respeito de Maria Antonieta) sinto dos créditos iniciais aos finais que assisti algo que não apenas precisava ser feito, mas precisava ser feito daquela maneira.

Se um cineasta como Quentin Tarantino diz: É; uma cineasta como Sofia Coppola balbucia: é? A percepção dispersa, incerta e, consideremos assim, feminina é o norte de Coppola (e, meu Deus, como é difícil não banalizar essa afirmação pelo fato de se tratar de uma mulher – sonho com um mundo de hermafroditas!). Como todo cinema que vale à pena o tema e o sentimento de Sofia não se expressam apenas pela boca e pelos corpos de seus personagens, mas pelos movimentos da sua câmera, pela edição, pela montagem, pela trilha sonora, pela iluminação, pela disposição dos objetos em cena. O que me fascina é enxergar como um temperamento evasivo e algo perdido transpõe sua própria natureza em direção ao encontro de uma expressão estética absolutamente rigorosa – porque nunca trai esse pressuposto, ao mesmo tempo em que se confunde com ele.

Dizer que Sofia não é uma grande diretora porque não sabe o que quer filmar, ou que quando sabe só se interessa pelo mero (?) registro é o mesmo que diminuir o cinema de Quentin Tarantino pelo reconhecimento da cultura cinematográfica pungente do diretor e pela catarse que seus filmes proporcionam. E, por mais delicada que seja a separação, é indispensável encarar obras de arte a partir do que elas querem te proporcionar (e não do que você espera que elas te proporcionem).

A “desconjuntada” estética de Sofia Coppola é a forma necessária desta artista construir imageticamente uma desconjuntada juventude perdida ou insipiente. E isto é o mais fulgurante rigor que um autor pode atingir, é a possessão que a linguagem faz do corpo do artista. Uma possessão que encontra seu anti-exorcismo na concepção divina de uma grande obra.

Tudo é transitório e evanescente no cinema de Sofia Coppola, menos aquilo que mais importa: a forma como se dá o registro dessas pequenas grandes coisas que, hipnotizadas pela luz da juventude, correm em direção ao seu próprio fim.





quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Amigo estou aqui


Fazia 2 anos que não encontrava com Woody Allen. O sorriso que me aconteceu ao ver a sua clássica fonte durante os créditos de Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works) foi o suficiente para me mostrar como havia sentido saudade do homem que foi (junto com Chaplin) meu primeiro amor de cinema.

Na relação que desenvolvi com o cinema de Woody Allen o mais engraçado é que o maior elogio que posso oferecer à ele pode ser encarado, por quem não entende muito de amor, como uma severa crítica: encontro nos filmes dele tudo o que espero encontrar, nunca espero mais do que realmente ele acaba me oferecendo e nesta reciprocidade (que os ranzinzas, como o hilário Boris, podem confundir com pacto de mediocridade) mora todo o conforto que encontrei em ter sentado em uma sala de cinema pela quarta vez na minha vida pra assistir um filme deste judeu do Brooklin que mora no meu coração.

E se deleitar com Tudo Pode Dar Certo é uma prova de amor: sem o cenário europeu que tantos insistiram chamar de reinvenção estética, sem a dramaticidade de um Match Point, sem Penelope Cruz, ficam os tão familiares cenários novaiorquinos, as rodinhas intelectuais de Manhattan, as lindíssimas mocinhas burrinhas, a misantropia, o pessimismo que está louco para ser contestado por uma realidade um pouco menos repulsiva.


Sabe quando alguma coisa acontece e você não precisa dizer nada, é só olhar para um amigo e ele entende absolutamente tudo? Sabe aquela alegria recompensadora de perceber que esta empatia ainda existe apesar do tempo ter passado? Assistir esse último filme de Woody Allen é uma combinação das duas sensações - e não que o diretor se escore apenas na memória afetiva de seu público: porque ainda existe a sensibilidade de usar bem o extra-campo, o texto que corta de tão afiado, o timing eficientíssimo do humor e contundente da melancolia, a beleza e a transparência de que só um clichê sincero é capaz, o menosprezo e o afeto no trato e no registro daqueles personagens vivendo em seus pequenos grandes mundos de mentirinha.

Para no fim eu sentir que Woody Allen dá um tapinha nas minhas costas, rindo de si mesmo e de todos nós, compartilhando o "big picture" ao qual só ele (e nós, do lado daqui) tem acesso.

Pessoal, é que existem prazeres que só são possíveis na intimidade da rotina.

sábado, 9 de outubro de 2010

Pico na Veia

58

- Tua doce lembrança, ai maldita, essa brasa dormida nas cinzas frias do meu coração.


77

- Foi o primeiro amor, um amor tão desesperado, quando ela me deixou, ai de mim, só não morri porque, aos 20 anos, você NÃO MORRE.


90

- Esses mortos, ingratos, que te esquecem tão depressa.

Porque quando se trata de Dalton Trevisan o máximo que posso fazer é citá-lo.