quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Amigo estou aqui


Fazia 2 anos que não encontrava com Woody Allen. O sorriso que me aconteceu ao ver a sua clássica fonte durante os créditos de Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works) foi o suficiente para me mostrar como havia sentido saudade do homem que foi (junto com Chaplin) meu primeiro amor de cinema.

Na relação que desenvolvi com o cinema de Woody Allen o mais engraçado é que o maior elogio que posso oferecer à ele pode ser encarado, por quem não entende muito de amor, como uma severa crítica: encontro nos filmes dele tudo o que espero encontrar, nunca espero mais do que realmente ele acaba me oferecendo e nesta reciprocidade (que os ranzinzas, como o hilário Boris, podem confundir com pacto de mediocridade) mora todo o conforto que encontrei em ter sentado em uma sala de cinema pela quarta vez na minha vida pra assistir um filme deste judeu do Brooklin que mora no meu coração.

E se deleitar com Tudo Pode Dar Certo é uma prova de amor: sem o cenário europeu que tantos insistiram chamar de reinvenção estética, sem a dramaticidade de um Match Point, sem Penelope Cruz, ficam os tão familiares cenários novaiorquinos, as rodinhas intelectuais de Manhattan, as lindíssimas mocinhas burrinhas, a misantropia, o pessimismo que está louco para ser contestado por uma realidade um pouco menos repulsiva.


Sabe quando alguma coisa acontece e você não precisa dizer nada, é só olhar para um amigo e ele entende absolutamente tudo? Sabe aquela alegria recompensadora de perceber que esta empatia ainda existe apesar do tempo ter passado? Assistir esse último filme de Woody Allen é uma combinação das duas sensações - e não que o diretor se escore apenas na memória afetiva de seu público: porque ainda existe a sensibilidade de usar bem o extra-campo, o texto que corta de tão afiado, o timing eficientíssimo do humor e contundente da melancolia, a beleza e a transparência de que só um clichê sincero é capaz, o menosprezo e o afeto no trato e no registro daqueles personagens vivendo em seus pequenos grandes mundos de mentirinha.

Para no fim eu sentir que Woody Allen dá um tapinha nas minhas costas, rindo de si mesmo e de todos nós, compartilhando o "big picture" ao qual só ele (e nós, do lado daqui) tem acesso.

Pessoal, é que existem prazeres que só são possíveis na intimidade da rotina.

2 comentários:

Raissa Lennon disse...

Eu como apreciadora dos filmes de Wood Allen, adorei o modo poético que você descreveu o filme, e a relação com esse diretor tão especial. Todas essas sensações estavam presente em mim, ontem, quando assisti "Tudo pode dar certo". Queria ter escrevido dessa maneira bonita no meu post de cinema, faz mas sentido quando assim é.

Felipe disse...

Oi Raissa, obrigado por ter comentado :)

Engraçado que li uma crítica na Cinética que ressalta justamente essa sensação de "reencontro com um velho amigo" em relação a este Tudo Pode Dar Certo e todos os meus amigos que assistiram o filme tiveram mais ou menos essa relação com ele.
É impossível (além do que seria sacanagem) tirar a importância que o Woody Allen tem para a formação do apreciador de cinema.