sábado, 11 de setembro de 2010

A Criação

Que palavras vêm a nossa mente quando pensamos em criar? O que este conceito evoca em nosso espírito?
Novo, vida, movimento, arte. ARTE. Por mais complexo que seja definir o que vem a ser arte, penso que todos podemos concordar que se trata de criação: de personagens, de narrativas, de atmosferas, de sensações. Uma criação que é indissociável da mentira, do artifício, da encenação.
Li recentemente, em um texto que tentava definir poesia, que o poeta é aquele que faz uso de uma linguagem para alcançar aquilo que a ultrapassa. Concordo completamente. Afinal, quantas e quantas vezes após assistir um filme, ou ler um livro, ou admirar um quadro me peguei pensando: mas isso é mais que cinema, é mais que literatura, é mais que pintura – isso é um milagre. Milagre tão poderoso que demoro a me convencer que foi realizado por seres humanos, como eu e você.
Mas nada é mais divino do que o humano.
Este é um texto sobre o diretor Alfred Hitchcock, mas especificamente um texto sobre seu filme chamado Um Corpo que Cai, cuidadosamente escolhido para inaugurar o novo Cine Clube da APJCC na Casa da Juventude; e foi pensando em como eu escreveria esse texto que me dei conta de que quando se trata de Hitchcock não consigo deixar de lado as questões que sempre foram e sempre serão essenciais à arte.
Porque Alfred Hitchcock é um desses artistas que é a definição perfeita de sua linguagem. E Um Corpo que Cai é um desses filmes que se utiliza de uma linguagem para alcançar tudo aquilo que a transcende. A tentativa de um melancólico detetive de compreender uma mulher que é a mais pura e devastadora demonstração da capacidade de arrebatar o público que a imagem possui é mais que filme, é mais que cinema, é mais que arte – e exatamente por isso é plenamente essas três coisas.
Existe algo de sagrado em cada fotograma dessa obra – algo de inviolável, de inalcançável, de indescritível. Cito, para não me perder em adjetivos, a sequência em que o detetive leva a jovem mulher para passear em um bosque repleto das árvores mais antigas do mundo: seres que já viram de tudo nessa Terra. Em um misto de delírio, lucidez, desejo e amor presenciamos a decomposição do tempo, do espaço, e a ampliação vertiginosa do horizonte daqueles dois personagens amaldiçoados. O detetive pergunta para a jovem “Onde você está agora?”, ao que ela responde “Aqui, com você”. É tudo o que podem saber. É tudo do que podem ter certeza. Na encenação diabolicamente arquitetada pelo marido da jovem surge, contrariando todas as possibilidades lógicas, a mais assombrosa Verdade: é que o detetive passa a amar a mentira, tão bem ela foi contada.
E o que é essa relação se não aquilo que nós mesmos (o público) estabelecemos com esse filme, com a arte em geral? Pois há séculos e séculos a humanidade se põe diante de obras de arte, conscientes de sua mentira, de seu universo ficcional, e se deixa envolver tão completamente em sua teia de invenções que nessas grandes histórias encenadas acabamos por nos deparar com o mais essencial de nós mesmos.
A pergunta é longa e complexa, e a mim só resta reconhecer humildemente a minha incapacidade para respondê-la frente a genialidade da maior obra-prima do Deus Alfred Hitchcock.

Um comentário:

Anônimo disse...

Foda-se. Égua do texto!