domingo, 29 de agosto de 2010

The Wonder




Há algo de intuitivo na forma como me relaciono com as obras de arte. Explico: há algo em certas coisas que eu nunca havia visto e que, eu sabia, quando eu visse mudariam a minha vida. Poucas vezes, creio, eu me enganei a esse respeito; e um desses grandes encontros se deu quando eu comecei a assistir Anos Incríveis.
Nos primeiros segundos do primeiro episódio, ouvindo a narração de um homem adulto se lembrando dos seus 12 anos enquanto imagens do emblemático ano de 1968 passavam na tela, eu senti que ali havia muito de mim.

Muitas vezes ouço discussões sobre como as inclinações pessoais de cada pessoa influenciam o seu juízo sobre as mais diferentes formas artísticas, e sou um ferrenho defensor de que o trabalho mais árduo de um crítico está em conseguir separar o valor estético/artístico de uma obra de suas preferências subjetivas. Perdoem-me, mas me é impossível fazer essa separação quando se trata de Anos Incríveis. Quando o homem adulto me diz que o verão de 68 foi “my last Summer of pure and unadulterated childhood”, e Joni Mitchell começa a sussurrar sua obra-prima Both Sides Now (“I’ve looked at life from both sides now, from up and down, still, somehow, it’s life’s illusions I recall, I really don’t know life at all”), embalando as imagens de uma câmera amadora que registram as brincadeiras de Kevin, aos 12 anos, uma atmosfera de nostalgia (doçura e melancolia) me invade e eu sou transportado para o tempo da fantasia, da memória.

Com uma direção terna (que sempre trata os personagens com afeto, afinal os vemos pelos olhos de alguém que os ama), genialidade no texto (o casal Carol Black e Neal Marleans são os mestres por trás dessa poesia) e sensibilidade (“capacidade de captar ou transmitir impressões capazes de causar emoção”, me diz o dicionário) na combinação desses dois elementos Anos Incríveis vem chegando, como a música de João Gilberto, com delicadeza e doçura e me envolve em tal nível de arrebatamento que se tornou costume, com o passar dos episódios, que eu chorasse sem ao menos sentir que as lágrimas saíam, calmas e sinceras.

Como o primeiro beijo de Kevin e Winnie (the girl next door e grande amor da vida do protagonista): depois de ter sua vida absurdamente abalada por um tragédia na qual Kevin não consegue encontrar sentido (a morte do irmão mais velho de Winnie no Vietnã, o cara que era “the definition of cool”), ele procura por sua amiga e a encontra num bosque que terá, para sempre, o significado do momento em que as coisas em sua vida mudaram.

Eis o que vemos: uma menina de 12 anos abraçando as próprias pernas, se balançando levemente, olhando para o céu, chorando sua perda. Um menino da mesma idade se aproxima, ele sente muito pelo que aconteceu, ele a envolve com seu casaco, silêncio dos dois. Abraçados, juntos, sozinhos, se olham, se beijam, se apóiam. A imagem congela, se torna uma fotografia, se revela em todo o seu poder de memória definitiva e definidora.

Eis o que se passa: a dor está sendo compartilhada, é a construção de uma cumplicidade de seres que pela primeira vez se deparam com o absurdo violento que pode ser a vida, diante de tamanha tragédia lhes resta o que resta a todos nós quando temos 12 anos e algo de terrível acontece: ficarmos um ao lado do outro e dividir o choro que não entendemos, que nunca entenderemos.

Eis o que sinto: que nos turbulentos “years of wonder” pelos quais todos nós passamos sempre há essas pequenas cenas, esses emblemas de compreensão, amizade e beleza; esses fechos de luz sem os quais não se passa pela vida. Vem a gratidão, as lágrimas já desciam fazia algum tempo mas só agora me dou conta delas. Percebo que foi um grande encontro, percebo que não serei mais o mesmo.

Anos Incríveis é a maior prova de que a poesia (o elemento poético que permeia toda obra de arte) pode chegar a nós através de todo e qualquer meio. Nesse caso trata-se de uma série que longe de se acanhar de ser TV, faz questão de ser Grande Obra de Arte dentro dos limites da televisão. Em suas 6 temporadas que se ocupam das mudanças exteriores e interiores do mundo de um garoto que todos nós fomos (oferecendo as mais belas definições de amizade, amor, família e infância) passamos por um tour-de-force que tem plena consciência da força que o processo evolutivo de personagens, narrativa e poética podem ter quando há total comprometimento pela construção de um mundo inteiro a longo prazo. O que me leva a mais um superlativo: a experiência de assistir ao último episódio da série (chamado Dia da Independência) teve o impacto do momento em que percebi que é inevitável dizer adeus a certas coisas que amamos, deixando-as para trás para seguir em frente - sempre condenados e agraciados com a possibilidade de olharmos para trás, na tentativa de compreender o que se passou nesses anos: O que mudou? O que ficou? O que morreu?

A definição deste período da vida, da forma como Kevin se lembra desses anos é dada, como não poderia deixar de ser, pelo próprio personagem, ao se recordar da vez em que desistiu de praticar piano por acreditar que mesmo tendo talento, jamais chegaria a ser o melhor: “I never did forget that night. I remember the light glowing from Mrs. Carples window. And I remember the darkness falling as I stood there in the street listening. And now, more than 20 years later, I still remember every note of the music that wondered out into the still night air. The only thing is I can’t remember how to play it anymore”.

2 comentários:

Priscila disse...

morri.

Unknown disse...

como assim tu tem um blog rapá

coloca lá pra poder te seguir

há braços psicodelicos