um príncipe chamado Victor. Dos muitos dons com os quais
nascera, talvez o mais fascinante fosse sua capacidade para o belo. Os olhos de
Victor eram uma extensão direta de seu coração (que é uma das formas de dizer “alma”)
e justamente por isso cada imagem que perpassava sua mente prodigiosa era
repleta de afeto e luminosidade.
Os olhos de
Victor eram tão grandes que um dia foi necessário que se transformassem em
outras coisas: uma casa isolada na campina, um cinema perdido em uma pequena
cidade, uma mulher que de tanta saudade não podia permitir-se a nostalgia, um
homem solitário e aterrorizado por sua colméia, uma menina que descobre com
prazer sua capacidade para a maldade e uma outra menina, menor que esta, que se
tratava de um dos seres mais belos que qualquer olhar já produziu. E havia,
também, um monstro.
Cada um
desses pequenos pedaços dos olhos de Victor estavam envoltos em uma luz de puro
mel – doce, dourada, perene. E o pedacinho que agora se chamava Ana via, subitamente,
diante de si, a possibilidade de um amigo; e não, não importava que fosse
inventado, que fosse um monstro ou que fosse a morte. Era, pois, antes de tudo,
uma mão gentil, que mesmo que a estrangulasse o faria repleta de ternura.
Então atraída por aquilo que não compreendia (que podemos chamar maldade, mas que quase sempre trata-se de mistério) Ana caminhou o quanto pode, com sua maletinha vermelha e suas esperanças pesadas, passando pelo calvário do medo e da tristeza, até encontrar-se, enfim, com seu amigo monstro (que, sim, mesmo sem saber também procurava por ela todo esse tempo).
Então atraída por aquilo que não compreendia (que podemos chamar maldade, mas que quase sempre trata-se de mistério) Ana caminhou o quanto pode, com sua maletinha vermelha e suas esperanças pesadas, passando pelo calvário do medo e da tristeza, até encontrar-se, enfim, com seu amigo monstro (que, sim, mesmo sem saber também procurava por ela todo esse tempo).
E do fundo
de seu pequeno corpo brotou aquela vontade de não existir que tanto acomete as
crianças – ou, pelo menos, de não existir daquela forma, fazendo com que ela se
refugiasse no esconderijo favorito de toda criança: o impossível.
Talvez você
se preocupe, perguntando-se se o príncipe Victor não se incomodou de se dividir
em tantas pequeninas partes. Mas fique tranqüilo, o amor só é possível
compartilhado – mesmo quando junto a ele vem um tanto de solidão, e um tanto de
melancolia.
O espírito da colmeia, de Victor Erice: um filme que assistirei a vida toda.
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