terça-feira, 3 de maio de 2011

A Origem



Tem me surpreendido o silêncio da crítica diante de Pânico 4. Primeiro pelo sucesso comercial da franquia e sua consequente legião de seguidores que inundou o gênero slasher na última década do cinema de terror americano. Segundo, e mais importante, por ter sido o melhor momento que tive nesse ano dentro de uma sala de cinema (e olha que já estamos em Maio).

Com exceção da crítica de Wellington Sari para o site da Contracampo (http://www.contracampo.com.br/96/critpanico4.htm), que apesar de ter dado destaque ao filme enveredou por uma associação com o caso da escola de Realengo que não me agrada muito, Pânico 4, ao que me parece, passou meio despercebido – irônico, pois imagino que tenha sido ostensivamente distribuído pelo Brasil todo.

O primeiro da série assisti Deus sabe há quanto tempo, na Band, dublado, no início da adolescência. Mesmo num tempo tão distante me ficou a imagem de um filme que não parava de se criticar e se subverter, e que criou minha heroína favorita do gênero – a persistente e perturbada Sidney Prescott. Penso que de alguma forma inconsciente eu já sentia toda a potência que a metalinguagem tinha nas mentes de Wes Craven (diretor) e Kevin Williamson (roteirista), que estiveram envolvidos em todos os filmes da série (Williamson só não escreveu o roteiro do terceiro, que, no entanto, produziu). Não esperava que essa metalinguagem crescesse tanto a ponto de atingir o patamar de franca carta de amor ao cinema de horror que este quarto representa.

É indispensável que se diga, vale lembrar, que o filme não se valoriza apenas por reconhecer todos os ótimos membros que o precedem na família da qual faz parte. Trata-se, antes, de uma idéia instigante levada às últimas consequências com muito vigor por Craven. E essas inconseqüentes conseqüências não poderiam ter se dado em nenhum dos três primeiros filmes da série, neste caso por um contexto social-histórico-técnico típico de nosso tempo imediato: a internet e toda a interatividade que ela promove no campo virtual (e, por que não?, ficcional).

Williamson e Craven parecem ter tido suas cabeças formatadas pelo fenômeno da conectividade mundial e pela vertiginosa velocidade em que a informação se espalha pelo globo. Imagino os dois se deparando com fenômenos como o Facebook, a explosão de blogs e a tecnologia portátil e se perguntando que efeitos tais circunstâncias teriam no universo narrativo que criaram nos últimos 15 anos. E é desde o início da projeção que a dupla deixa claro que não estão para brincadeira: pois o filme será sempre uma caixinha dentro da outra dentro da outra e dentro da outra, pulando na nossa frente e afirmando com dedo em riste “vamos ver quem engana quem por mais tempo da forma mais criativa”. Deste pira-esconde estético/narrativo temos a essência de Pânico 4 – um filme que olha com certa admiração para a geração que tão rapidamente decodifica códigos tradicionais, mas que também a desafia a compreender porque esses códigos se tornaram tradição e até que ponto eles podem ser subvertidos tendo como ponto de partida apenas uma evolução técnica.

Temos, então, as várias jovens que assistem inúmeras versões de Stab (falsa série de terror criada desde o segundo Pânico e que leva aos cinemas ficcionais os acontecimentos de Woodsboro): elas criticam as convenções que todos nós conhecemos muito bem ao mesmo tempo em que mostram que essas convenções podem ser facilmente descartadas, bastando para isso alguma pitada de rebeldia e bom humor. Teríamos até esse ponto um simples Todo Mundo em Pânico mais legítimo? Não, estas primeiras sequências são antes uma defesa (e nunca uma ridicularização) de um certo modo de levar o suspense para as telas, transformando-o em imagens. Este modo nada mais é do que aquele que tem seu ícone máximo no assassinato de Drew Barrymore no primeiro Pânico: uma garota (ou garotas) bonita sozinha em casa, o telefone toca, ela não está sozinha, ela não sabe onde está o assassino, ela vai morrer. As camadas narrativas vão se evidenciado até que chegamos à sua matriz: reencontramos Sidney, Gale e Dewey (personagens com os quais nos acostumamos a nos importar – e isso é essencial para o “suspense humanista” de Craven e Williamson); cada um com sua vida sempre definitivamente modificada pelos acontecimentos que se sucederam desde 1996. Porém, temos agora a presença numerosa de uma novidade: as câmeras “amadoras”. Câmera que Gale segura e que revela que o assassino se aproxima dela a um marido que assiste à cena quase explodindo de angústia, câmera do geek que anda sempre presa a sua cabeça e que registra tudo o que ele vê transmitindo as cenas, em tempo real, para seu blog (e que é o ponto de visa adotado para mostrar ao personagem que ele também irá morrer – acontecendo um uso no mínimo irônico daquilo que chamamos câmera subjetiva), câmera que o próprio assassino esconde em uma festa para registrar sua “obra de arte” e eternizá-la através de imagens em movimento. Câmeras que tornaram mundialmente conhecido o caso de Sidney e que criaram, em última instância, o seu mais terrível algoz: o assassino que se vende como vítima para atingir alguma notoriedade pública.

Pânico 4 é, assim, um filme radicalmente opaco – sendo-o plenamente em um gênero que, aparentemente, necessita da transparência para atingir o essencial envolvimento do público com sua narrativa. Claro que isso, por si só, não garantiria tantos méritos; pelo menos não quando visto pelo olhar sempre titubeante daquilo que é “novidade” (lembremos de Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai e Peeping Tom, este último sendo lembrado pelo próprio filme). Mas é em uma cena como a da revelação da identidade do assassino que está a verdadeira grandeza deste quarto volume da série: em um jogo de duplicação de causas e efeitos, de inversão da moral da vítima e de releitura da cartilha do horror, Craven e Williamson exploram toda a abrangência do amor que têm por aquele mundo. É quando a nova vítima (a descendente direta de Sidney) realiza a mise-em-scéne da qual ela irá se beneficiar temporariamente (tal qual os maridos assassinos de Janela Indiscreta e Um Corpo que Cai) que Pânico 4 retira sua última máscara e revela a sua mais aterradora face: é tudo tão “espetaculoso” que a própria dor de se ver jogado em meio a perseguição de um assassino alucinado se tornou encenação.

Era mais do que fácil, era praticamente inevitável, que Craven e Williamson se perdessem em algum momento dentro de um tal baile de máscaras que acontece dentro de uma sala de espelhos, porém é justamente a capacidade que ambos possuem de fazer com que público e personagens jamais se esquecem daquilo que é essencial para a existência, persistência e permanência daquela realidade que faz com que jamais percamos o norte da estrutura narrativa/estética deste filme. Atitude que pode ser mimetizada por um plano e uma frase. O PLANO: Sidney e Jill, deitadas diante uma da outra, ocupando a mesma posição física que é, no entanto, narrativamente oposta, logo após a (re) encenação do desfecho do primeiro filme e que serve de falso-desfecho para este último. A FRASE: Sidney, após arrancar na unha a última camada de artifícios e mentiras arregimentadas pelo assassino, vocifera para seu vilão “- You don’t fuck with the original!”.

Me perdoem tantas palavras, mas já estava achando imoral o silêncio diante de um filme tão poderoso. E respondendo à pergunta do Ghostface: Pânico 4 é um dos meus filmes de terror favoritos.







4 comentários:

Juliana Maués disse...

Não vi o filme e só li os dois primeiros parágrafos do texto (seria sem sentido ler sobre o que eu não vi, né?). Mas ó: http://www.revistacinetica.com.br/panico4.htm (tb não li, mas já que reclamaste do silêncio da crítica...)
Ah, dando uma fã intransigente, nunca é demais lembrar que o melhor slasher de todos os tempos já foi feito, em 1978, por um cara chamado John Carpenter!

Anônimo disse...

Opa! Discordo aí Ju... O melhor Slasher foi feito pelo mestre Bava em Bay of Blood. E se considerarmos, como Craven considera, Psicose e Peeping Tom como slasher aí complica mais. Mas Halloween me parece ser o mais importante por estabelecer vários clichês em uso até hj, mas sabes que revi esses tempos e não curti tanto assim. Bruma Assassina e Enigma de Outro Mundo são mais onda...
Já viste a refilmagem do Rob Zombie? Max falou que é muito foda. Quero ver, Rejeitados pelo Diabo é uma obra-primaaaaaa.

Cauby.

Juliana Maués disse...

Tá, não vi Bay of Blood (infelizmente), nem compartilho da opinião do Craven. Acho que então eu poderia consertar a frase e dizer que, dentre os filmes que eu considero slasher a que já tive a oportunidade de assistir, o melhor foi feito em 1978 por um cara chamado John Carpenter - mas aí eu não estaria mais sendo fã intransigente, né? Haha, falando sério, Halloween é o meu preferido por razões que já tenteni explicar várias vezes, mas nunca consigo satisfatoriamente. Algo que eu costumo dizer é - coisa besta que vai do nada pra lugar nenhum, eu sei - que eu não tenho medo do fred, não tenho medo do jason, nem do leatherface e por aí vai, mas, ah, eu tenho medo do Michael Myers! Mesmo assim, se fosse pra hierarquizar esses três filmes do Carpenter, Halloween não seria o primeiro: antes viria A Bruma Assassina.
Não vi a versão do Rob Zombie, mas já li tanto coisas boas quanto ruins sobre... particularmente, esse papo de explicar as razões psicológicas pro desenvolvimento do Michael não me agrada, mas isso tb não quer dizer muita coisa, só vendo mesmo...
E Rejeitados pelo Diabo é demais!!!

Anônimo disse...

Carpenter e seu filme refinado. Grande obra. A refilmagem do Zombie é um chute com chuteira de aço no saco. Eu não gostei.

Mark.