segunda-feira, 14 de março de 2011

John Hughes gostaria de ter assistido


Esse texto é uma urgência:

Greg Mottola é o mais novo descendente de Marcel Proust que conheci.

Assistir Adventureland (Férias Frustradas de Verão) apenas sublinha que em Superbad, além do envolvimento afetivo de Seth Rogen, Evan Goldberg e Judd Apatow, havia um grande homem de Cinema que transformou aquele amontoado de lembranças de escola em uma definição sensivelmente precisa do que é Amizade.

Não desconsidero em hipótese alguma o talento e a criatividade do trio Apatow, Rogen e Goldberg para a concepção de um universo narrativo/temático (O Virgem de 40 Anos, Ligeiramente Grávidos e Tá Rindo de Que? merecem muito mais respeito do que recebem de fato), mas quando parei pra pensar sobre quem eu deveria escrever um texto não tive dúvidas de que a resposta era Greg Mottola.

Se em Superbad o diretor teve que lidar com material e memória alheios (o roteiro, e as lembranças, eram de Rogen e Goldberg), em Adventureland ele se lança a reconstrução, memorialista e estética, do seu próprio passado, ou, como ele mesmo diz, do pior verão de sua vida (nesse caso o final dos anos 80, quando ele teve que trabalhar num parque de diversões) - o que parece abrir portas para a exploração mais intensa de sua identidade autoral. Não nos precipitemos, jamais se trata da "descoberta" de um estilo mas sim do aprofundamento daquilo que era pulsante em Superbad. E creio ser impraticável falar deste estilo que já era pulsante sem mencionar o uso de um recurso que pode ser tão facilmente banalizado (e que é tão sinceramente louvado por Mottola): o campo/contracampo.

Quem prestou atenção na sequência final de Superbad (só pra citar a mais óbvia) sabe do que eu estou falando: o homem é um cirurgião/poeta na edição e na montagem dos planos que constituem a cena; e raras vezes senti ser tão verdadeira a premissa de que uma sequência não é apenas ela n'ela mesma mas também aquilo que a precede e que a sucede. Peguemos dois exemplos: James, o protagonista, se empolga narrando uma corrida de cavalos de mentira no posto que ocupa em seu novo pior emprego de todos os tempos - é, provavelmente, a primeira cena em que sentimos franca afeição pelo personagem e sua situação e é, justamente, a cena escolhida para apresentar o personagem à futura garota de seus sonhos que conhecemos em um único contracampo guardado para o final da sequência, em que Em (a garota dos sonhos) sorri e observa James que se surpreende tanto quanto nós por ter sido capaz de despertar o interesse de alguém apresentado de maneira tão interessante (a elipse sempre vai ser essencial para o fascínio que Em exerce nele e em nós). Mais adiante Em leva James de carro para a casa dele; Mottola se propõe o velho e complicado campo/contracampo do silêncio que evidencia uma tensão amorosa. Ele sabe muito bem que se aquela sequência não convencer o espectador a respeito do efeito que uma garota como Em tem na vida de um garoto como James nada mais irá funcionar em seu filme (narrativa e esteticamente); como resolver? Primeiro, planos curtos de campo/contracampo (James olha de soslaio para Em), depois planos mais curtos de James e mais longos e próximos de Em, por fim um close longuíssimo (quando comparado com os outros planos da sequência) de Em que deixa claro um dos grandes encantos que a montagem é capaz de produzir: a dilatação do tempo e a concentração do espaço (só existe Em durante um tempo que não se pode definir cronologicamente - esse tipo de ressignificação de tempo e espaço aponta para a capacidade do diretor de conceder ao tom realista de seu filme aquele ar de invenção onírica tão próprio da lembrança).

Dizer que Mottola respeita e ama o tema de que trata já me parece dispensável - mas, diferente dos talentosos e interessantes Apatow, Rogen e Goldberg, ele consegue transformar a admiração por um universo temático em universo estético. Na valorização do clássico (o uso que ele opta por fazer do campo/contracampo) e nas pequenas grandes ousadias (como o close inicial em James que já deixa claro que estamos diante de um rapaz destinado a sofrer), Mottola expande tudo que já era por demais bonito e instigante em Superbad e faz aquilo que um bom memorialista deve ser capaz de fazer: mostrar que a experiência pessoal de um também é (sem nunca ser exatamente) a experiência pessoal de todos. Dominando o que já foi feito ele consegue mostrar aquilo que Ele é capaz de fazer, fazendo parecer possível (temática, estética e sensivelmente) o diálogo conturbado entre estilo e reinvenção (entre o que há dos outros em "mim" e o que "eu" posso oferecer aos outros de "meu").


Notinha: Faz uns 2 anos Greg Mottola me fez ter vontade de escrever sobre a importância da Imaturidade para arte. Para não cair na cilada de endeusar a juventude (da forma como alguns endeusam a velhice) digo: Que bom que existem as duas pontas, que doloroso que nada possa ser vivido duas vezes, que lindo que mesmo sabendo disso pessoas como Mottola, ao invés de se retraírem em um casulo de melancolia e distanciamento, insistam em recriar o que passou achando nessa revisitação a criação do Novo que finca os pés no passado e os olhos no céu. Que lindo.


7 comentários:

Mariana disse...

Quero ver, quero ver.

Essa cena ao final do texto parece Dawson's creek. Mas....

Felipe disse...

hahahahaha tem a ver

Breno Yared disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Breno Yared disse...

Ainda não vi Adventureland e Superbad, Felipe. Mas depois de ler o teu texto me deu vontade. Isso que falas da cadência e proporção do campo e contracampo, é o que tem muito nos filmes do Clint e do Shyamalan, quando se utilizam da continuidade clássica, há um pensamento em cada duração e escalas dos planos, não é o corte alucinado de diretores como o Nolan. Vou conferir os dois. Valeu!

Felipe disse...

Tenho que admitir, Breno que os diretores que manipulam a linguagem clássica na criação de novas grandes obras tem me interessado imensamente (daí o título desse texto, acredito que a proximidade de Mottola e Hughes não seja só temática mas principalmente estilística). Como comentei no teu texto sobre A Rede Social, por enquanto diretores como Nolan me interessam muito pouco e diretores como Fincher me instigam cada vez mais.
Obrigado por comentar!

Bruna Caixeta disse...

Olá, Felipe, tudo bem?
Há algum tempo acompanho o seu blogue. Acho suas leituras e críticas sobre cinema muito interessantes. Três dias atrás, criei um blogue também, no qual pretendo discutir os assuntos os mais variados, com resenhas e outros textos de minha autoria. Gostaria de convidá-lo para conhecê-lo. Será muito bem-vindo. Se gostar de lá, gostaria de pedir sua permissão para adicionar seu blogue na lista dos que indico. Depois me fale sobre isso.
Abraços,
Bruna.

Felipe disse...

Oi Bruna, tudo bem?
Que bom que gostas das coisas que escrevo aqui - e eu agradeceria muito se tu pudesse adicionar o endereço do meu blog na tua lista de indicações.

Vou dar uma olhada no teu blog agora mesmo.

Abraço,
Felipe.