quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O possível impossível e a impossibilidade de poder

"Eu tenho à medida que designo - e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la - e como não acho. Mas é do buscar e não do achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas - volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso da minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.
E é inútil procurar encurtar o caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desitência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desisitir é o verdadeiro instante humano. E só esta é a glória própria de minha condição.
A desistência é uma revelação".

(Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.)

Sempre que leio esse trecho do meu livro favorito no mundo todo eu penso que é um insulto fazer um trabalho que precisa mais estar de acordo com as regras ridículas da ABNT do que ser bom de verdade.
Bobo de mim que achava que a literatura seria entendida pelo menos no curso de Letras.

Um comentário:

John Fletcher disse...

é bom lhe ver "caminhando" pelo meu espaço. acho esse pedaço do livro da clarice fantástico (e não quero criar novas polêmicas, mas ele só mostra a irregularidade da obra, cheia de momentos absurdos em profundos abismos de tédio e simploriedade). de qualquer forma, saussure explica.

que legal que vc gosta de hopper. adoro sea room (e ultimamente tem sido meu papel de parede). estou tb muito numa vibe expressionismo abstrato. rothko têm sido um grande revelador, neste caso.

o que acontecia pela pinacoteca? :D